Choveu na cidade... Apesar da
incerteza de uma tarde com tempo firme, saio. Bairro não lindo, longe disso.
Escolho a estreita rua que beira o rio (triste rio, que se imprensa entre
casas, lixo e casas).
Apesar dos tempos modernos e
tecnologias 3 D a rua não tem asfalto... A rua é barro. É lama. Apesar de
outras ruas, escolho essa. Quero ir por ela. E não escolhi sozinho, muita gente
como eu se equilibra em meio às poças.
Apesar de tudo, uma senhora encosta-se
ao muro para ver a tarde caindo... Apesar de tudo, com pés sujos de lama, uma mãe
vem ouvindo o filho cheio de histórias da escola... Apesar de tudo, um cabrito
devora uma moita de capim à beira do triste rio... Apesar de tudo, duas amigas,
provavelmente voltando do trabalho, comentam o que precisam cozinhar para seus
maridos e filhos quando chegarem às suas casas... Apesar de tudo, e confesso
que vi primeiro o reflexo na água acumulada da chuva, um casal caminha de mãos dadas
– “cuidado, aí escorrega!”... Outra criança passa de bicicleta... O carteiro
grita “correeeeios!”... A senhora cansada, uma mão nas costas doídas, a outra
acenando e com a boca metade sorriso e metade palavras “boa tarde, Carminha!”...
Sempre vai haver poesia... Apesar
de tudo! Sempre vai haver poesia... Apesar de tudo!